terça-feira, 27 de setembro de 2011

A dança a favor da obra de arte por Christiane Araújo

foto EDERSON ALMEIDA
A dança a favor da obra de arte
Por Christiane Araújo

Na ultima sexta-feira, fui ao teatro SESC horto, em Campo Grande MS., assistir à Maria, Madalena. Após a apresentação, ainda meio extasiada com o espetáculo, levantei-me e fui para casa, deixando tudo o que apreciei brandir dentro de mim.

Atuante na área da dança contemporânea já há alguns anos, sempre fazendo algumas conexões e reflexões de tudo o que estudo, vejo e vivencio, não poucas vezes, atendo meus alunos que perguntam, “mas...professora, afinal de contas aquele espetáculo que vimos é dança contemporânea?” Com os olhos atentos e ansiosos, esperam um norte do professor, uma resposta definitiva do mesmo modo quando se pergunta se dois mais dois são quatro.

Para tentar responder-lhes, busco referências em diversos autores e também na que ferramenta que, hoje, mais atende os alunos em suas pesquisas, na busca por informações: a internet. Por isso, relatarei abaixo algumas considerações tiradas destes tão diferentes mundos, o real e o virtual.
Analisando o que a Wikipédia nos coloca (site este, criticado pelos pesquisadores, mas procurado por muitos aprendizes), algumas considerações são relevantes, outras não, motivo pelo qual temos sempre que tomar cuidado com o que lemos e mais, como interpretamos o que lemos. Coloco algumas reflexões em roxo, no texto abaixo.

“A dança contemporanea modificou drasticamente as "posições-base" do ballet clássico, além de tirar as sapatilhas das bailarinas e parar de controlar seu peso. (Historicamente, isso aconteceu com o início da dança moderna e não na contemporânea) Ela mantém, no entanto, a estrutura do ballet, fazendo uso de diagonais e da dança conjunta. (Nem sempre! Onde ficam os solos, duos e trios desde que o mundo é mundo???) A dança contemporânea busca uma ruptura total com o balé, (muitas Cias. de dança por todo o país, utilizam a técnica clássica como preparação corporal para o treinamento de seus bailarinos atuantes nos espetáculos) chegando, às vezes, até mesmo a deixar de lado a estética: o que importa é a transmissão de sentimentos, idéias, conceitos. (Uau... Tão perigoso falarmos que deixa de lado a estética! Teríamos que pesquisar então o que é estética. Tem estética sim... e, melhor, diversas estéticas!) Solos de improvisação são bastante frequentes. (Ufa, isso sim... a improvisação e pesquisa de movimentos são uma caracteristica da dança contemporânea, podendo ser proposta como processo para a construção do espetáculo ou como resultado de um produto)

A composição de uma trilha para um espetáculo de dança contemporânea implica diversos outros fatores além da própria composição musical. ( Podemos pensar que a composição de uma trilha sonora para um espetáculo faz parte também da pesquisa, ela deve fazer parte da obra, vem a colaborar com o sentido do que se quer comunicar. É muito comum ouvirmos: nossa, que musica linda, vou montar uma coreografia de dança com ela... O processo até pode ser esse, desde que se leve em consideração tudo o que citei acima.)

A dança contemporânea não possui uma técnica única estabelecida, todos os tipos de pessoas podem praticá-la. ( Sim, uma das formas que podemos pensar é essa, pois, se observarmos o mundo globalizado em que vivemos, seria hipocrisia pensar que, de uma única técnica, se compõe um corpo. Atualmente, a maioria das pessoas não possui um único trabalho, um único casamento, uma única faculdade; um único meio de comunicação; vivemos em um mundo contemporâneo, onde as pessoas buscam diferentes referenciais e precisam deles para terem a possibilidade de diversos corpos dançarem, se expressarem, criarem...)

Esse tipo de dança modificou o espaço, usando não só o palco como local de referência. Sua técnica é tão abrangente que não delimita os utensílios usados. O corpo, pesquisando suas diagonais, não delimita estilos de roupas, músicas, espaço ou movimento. (rs... é... mais ou menos...também podemos pensar assim, como disse anteriormente, se faz parte do contexto, da pesquisa, não há nada que não possa ser usado e nem nada que se restrinja a locais diversificados de apresentação, lembrando também que Isadora Duncan já improvisava com suas túnicas esvoaçantes ao ar livre!)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dan%C3%A7a_contempor%C3%A2nea

Para discutirmos, então, um pouco sobre o que compõe esse corpo para a dança contemporânea, clareando e não definindo, podemos elencar rapidamente as diversas pesquisas de educação somática, como organizam Cristiane Wosniak e Nirvana Marinho, no livro “O Avesso do avesso do corpo – educação somática como práxis”. As diferentes técnicas de mobilização e preparação corporal, lutas, esportes, reeducação do corpo, outras modalidades de dança, as demais linguagens artísticas colaborando com a pesquisa da dança; enfim, um corpo de infinitas possibilidades para a percepção e preparação do indivíduo que se interessa por essa arte. Devemos lembrar, também, o quanto podemos refletir sobre tudo o que o corpo diariamente sente e capta da sociedade e das suas relações do cotidiano que o forma, relações essas que transformam e resignificam em uma pessoa crítica e reflexiva de suas próprias ações, posicionamentos e pensamentos.

Isabel Marques em sua recente edição, “Linguagem da Dança – Arte e Ensino” nos aponta:
A arte, na contemporaneidade, não se curva mais ao culto, à distância ou à contemplação. A arte contemporânea não espera que espectadores façam sínteses ou formulem fechamentos a seu respeito. Ao contrário, “a arte da contemporaniedade quer propor ao espectador que teça análises, que elabore outros significantes, empreendendo, assim, uma atitude mais extremadamente autoral” (DESGRANGES, 2002, p. 227)... Na contemporaneidade, “a obra de arte(...) não [convida] mais seu receptor a sonhar com base nela, mas a analisar a sua percepção a partir das informações que lhe [fornece]” (LEBRUN, 1983 apud MARQUES, 1999, p.24). Os trabalhos de arte contemporânea, assim, se vinculam a “leituras singularizadas de mundo, já não há uma visão de mundo consensual proposta na obra”, ainda conforme Desgranges ( 2002, p.224).

E, com isso, volto meu olhar para o que me motivou a construir este texto: o espetáculo Maria, Madalena. Percebo a preocupação primorosa de todos nesse coletivo de artistas ao pesquisar diversos segmentos da arte para a construção do espetáculo. Assim, com o respeito devido a todos os envolidos no processo, peço a permissão para lhes apresentar o meu tear de análises, os fatores resignificados em mim a partir de uma significação de vocês. A emoção que senti e vivi naqueles 45 minutos de apresentação, ou seja, a minha contribuição e colaboração a vocês (do coletivo) e para a pesquisa e análise da dança em nosso país.

Para iniciar, proponho lermos um trecho do artigo escrito por Nirvana Marinho, onde ela relata alguns coletivos de dança espalhados pelo país.

“Ser artista de um coletivo, onde estão outros tantos diferentes, sujeita-nos a recriar no próprio corpo. Revisar seus passos, suas escolhas, sua qualidade de movimento, seu posicionamento, seus porquês; sua vida e sua arte. Inevitavelmente, o artista que opta por criar em conjunto faz do seu passado um presente em constante transformação.” (MARINHO, 2010)

Ainda um local pouco experimentado pelos profissionais da dança, os coletivos nos mostram um poder incrível para entendermos, então, o que seria a contemporaneidade nesta linguagem artística. Colaborar significa reconhecer a necessidade de criar junto, propor para que todos os integrantes possuam um papel fundamental a ser explorado e excecutado dentro de um grupo. Não podemos confundir esse tipo de trabalho aglutinador de pessoas, como sinônimo de ausência de um Diretor geral. Há casos em que, mesmo num processo colaborativo, existe a necessidade de existir essa função; o que ressalvo, apenas, é a forma como se atua dentro desse papel. Ao dirigir um carro, por exemplo, o motorista é o único responsável pela segurança na condução dos passageiros e, nesse caso, então prefiro considerar o Diretor geral como “alinhavador geral”. Um tanto curioso e ousado, sim, e sei, também, que bastante utópico mas inscrevermos os projetos com esse nome, permitindo-me poetizar, pois acredito ser essa a função do Diretor dentro de um processo colaborativo para dança.

Observo, assim, o todo do espetáculo: uma trilha sonora pensada e pesquisada para a colaboração daquele espetáculo. Um cenário composto para todo o teatro que nos envolvia, desde a chegada, com suas linhas, formas, volumes, locais e intenções de existir. O respeito e a busca pelas histórias das intérpretes-criadoras e de tantas outras mulheres ali representadas por elas, que com beleza e entrega nos transportaram para o mais íntimo de toda a essência humana. Figurino e luz, compondo cenicamente toda a ambientação necessária para a proposta. Interação com outra linguagem artística, primorosamente composta, na questão qualidade e pesquisa ao tema. Assim, teço minhas análises e resignifico dentro de mim, saindo de lá com muito mais perguntas do que respostas... Afinal, não é isso que move o mundo?

Maria, Madalena, Marias Madalenas, Mary, Madalen,...Marias de Q? Qual Maria sou eu agora? Quantas vezes fui Marias? E quantas outras tantas Madalenas? Quanto já guardei dentro de minhas próprias caixas, medos, angústias, revoltas, dores, alegrias, sorrisos e amores... Quanto e como já me doei enquanto mãe, mulher e amante para mim mesma e para o outro??? Sem nenhuma resposta, mas saboreando essas dúvidas, o permear e a fluidez da dança, me faz sentir que não fui assistir a um espetáculo de dança, fui assistir a uma obra de arte. Obrigada.

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