Ao longo da vida fiz muitas coisas para sobreviver que eu
achava que me definiam: fui auxiliar administrativo de duas prefeituras, fui
auxiliar de escritório de contabilidade, fui devorador de livros e gibis e de coisas
escritas que nunca entendi bem, nem mesmo li até o fim, fui futebolista amador,
fui estudante relapso, fui escrevedor de cartas sob encomenda, fui fazedor de
planos que não foram executados, fui ghost
writer, fui servidor do Fisco, fui contabilista, fui doente, paciente e
impaciente, fui trabalhador braçal em lavouras, fui consultor de apuração do
lucro real de atividades imobiliárias, fui fazedor de declarações do Imposto de Renda de Pessoas Físicas, fui assessor de
muitos dirigentes que nunca me ouviram, fui militante indeciso do partido
comunista, fui candidato derrotado a vereador, fui executivo por um tempo curtíssimo,
o mais rápido fracasso que já reconheci, fui desenvolvedor de projetos que
nunca deram resultados, fui religioso, fui socialista, pai, irmão, amigo,
marido e namorado. Recentemente me identifiquei até com o pessoal da dança. Em tudo eu
fracassei. Vi meus trabalhos, crenças e iniciativas falharem cabalmente. Aos
cinquenta e seis anos me convenci de que eu era um fracasso total e resolvi
viver desse amargo consolo de ser um fracassado. Fracassei nisso também, porque
o mundo me empurra todo dia para fazer coisas. Então finalmente eu vi que havia algo
diferente em mim em relação à maioria daqueles que me cercavam e que não tinham
sucumbido completamente à depressão: todos acreditavam mais do que eu em alguma
coisa. E descobri meu maior talento: mudar de ideias, abandonar crenças e começar
de novo. Tornei-me então consultor de inovações e de pensamento estratégico,
algo pomposo que justifica bem os honorários. Afinal, trata-se de constatar o
óbvio: nada ensina mais a mudar do que o reconhecimento do fracasso. Desde
então ganho a vida aconselhando as pessoas sobre o que fazer para reconhecer o
que está errado, abandonar práticas e crenças superadas e abraçar a mudança.
Tenho fracassado nisso, é claro, mas agora me sinto bem melhor. Sou um otimista incorrigível.
Ah, Zé! Que delícia te ler nesse sábado amargo de frustrações.
ResponderExcluirTô contigo e não abro no otimismo incorrigível :)